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Caipirinha para inglês:
a palavra é um dos novos verbetes no dicionário
Oxford, ao lado de "feijoada","lambada" e
"umbanda" |
Em julho foi lançada a versão
4.0 em CD-ROM do Oxford English Dictionary,
com o significado, história e pronúncia de
mais de meio milhão de palavras. O OED rastreia
o uso dos verbetes nas diversas fontes internacionais
do inglês: são mais de dois milhões e meio
de citações, que vão da literatura clássica
a roteiros de filmes; de especialistas a
livros de cozinha. A versão 3.0 tinha sido
lançada em 2002.
Um exercício interessante para o estudioso
da linguagem (e para o sociólogo) é o de
verificar os verbetes importados ou procedentes
do português, que foram incorporados ao OED
- como addition ou como inclusão
provisória, draft entry - nestes
últimos sete anos.
Geralmente, a importação de uma palavra
dá-se quando a língua local recebe uma realidade
nova, vinda de uma outra cultura (ou fortemente
marcada por ela); novidade para a qual os
falantes locais não estavam preparados linguisticamente.
Se hoje o futebol é paixão nacional
para os brasileiros, os mais velhos ainda
são do tempo em que muito do seu léxico era
importado ou diretamente adaptado da língua
dos fundadores: desde o próprio nome foot-ball,
até como se dizia antigamente, corner (escanteio),
goal-keeper (goleiro), beque (imitando
back)... e, ainda hoje, mal reparamos
que pênalti é, afinal,
penalty e gol é
goal.
O mesmo se dá com os usos (e abusos) da
linguagem da informática "clicar o botão
direito do mouse" (em Portugal, mais purista,
"carregar com o botão direito do rato"),
"fazer download" etc.
Naturalmente, há outros fatores, do pedantismo
ao eufemismo, mais ou menos legítimos, para
além da existência de adequado equivalente
nacional: a padaria, bem periferia, em Santana
do Parnaíba é "Parnaiba's Center"; e todo
mundo prefere dizer "soutien" do que "ampara
seios"; no restaurante perguntamos pela "toilette"
em vez de mictório... E, assim, na culinária,
nas artes, na moda, na tecnologia etc. vamos
importando palavras, buscando o diferencial
de expressividade que têm na língua original.
Talyb é, no dicionário, aquele que estuda
e seu plural é Talyban; mas talibã envolve
algo mais do que estudo de livros...
Pique nacional
Para efeitos de estrangeirismos, a influência
do inglês é dominante no âmbito da tecnologia;
e muito do francês, no do charme (não por
acaso, uma palavra francesa); quais as palavras
brasileiras que foram introduzidas nesta
nova edição do OED?
Muito poucas. As que começam
a invadir a realidade dos países falantes
do inglês, ou porque são notícia ou objeto
de estudo por lá. Como additions, entraram
verbetes como "várzea", terreno plano sujeito
a inundações periódicas - In Brazil,
(an area of) low-lying, flat land which is
subject to periodical flooding - e
a tribo "urubu"; mas, mais significativas são:
feijoada e feijão; garimpeiro, lambada, umbanda
e umbandista; e a tribo yanomamo (a do
massacre...).
Na parte de citações do OED,
encontramos, por exemplo, que meio milhão
de umbandistas foram a uma celebração na
praia, ou que embora eu esteja calmo, meus
nervos estão como numa lambada:
1977 Times 24 Nov. Half a million
umbandistas were on the beach that day.
1993 Coloradoan Fort Collins
28 Mar. I'm trying to act and sound calm
but my nerves are doing the lambada.
Há uma dúzia de principais entradas
experimentais (draft entry): ebene
(pó psicoativo empregado em rituais yanomami),
açaí, capoeira e capoeirista, cavaquinho,
farofa, telenovela, caipirinha e caipiroska,
cachaça, candomblé, churrasco e churrascaria.
Na verdade, a capoeira, as churrascarias,
telenovelas e caipirinhas parecem ser realidades
não provisórias e que foram para ficar,
conquistas culturais que tendem a se expandir
e arraigar no exterior.
Tanque
No campo das não novidades, o OED, desde
edições anteriores, traz interessantes casos
de palavras do português que se arraigaram
internacionalmente. Alguns exemplos:
- Fetiche (fetish) (a. F. fétiche,
ad. Pg. feitiço n. charm, sorcery (from
which the earliest Eng. forms are directly
adopted). (Originário dos objetos usados
pelos negros da costa da Guiné para fins de
encantamento).
- Massagem (massage) (It is perh. a.
Pg. amassar to knead, f. massa dough (= mass
n.2).)
- Tanque (de guerra), para não
revelar o segredo militar, ao fazer os primeiros
tanques (de guerra), os construtores diziam
ser tanques (de água) (Tank n. 7 [Special
use of tank n.1 adopted in Dec. 1915 for
purposes of secrecy during manufacture.]
Tank n. 1.others think that they are all
derived from Pg. tanque pond = Sp. estanque,
F. étang:-L. stagnum pond, pool, with which
at least the Indian words were identified
by the Portuguese).
- Comando (commando) grupo militar
autônomo para missões rápidas: a palavra
aplicou-se às expedições portuguesas na África
do Sul [a. Pg. commando 'command, party
commanded', f. stem of commandar to command.]
1.a. A party commanded or called out for
military purposes; an expedition or raid:
a word applied in South Africa to quasi-military
expeditions of the Portuguese or the Dutch
Boers (esp. the latter) against the natives.
- Jaguar - Palavra tupi-guarani para diversos
carnívoros, do cão à onça [a. Tupi-Guarani
yaguara, jaguara. According to writers on
Tupi-Guarani, jaguara or jagua is orig. a
class-name for all carnivorous beasts, including
the tiger (i.e. jaguar), the puma, etc.
Direto das selvas
Como "jaguar", outras palavras fizeram
carreira, oriundas das selvas brasileiras,
como lembra Sérgio Correia da Costa, em
Palavras Sem
Fronteiras (Record, 2000):
- Catinga - Do guarani kati (cheiro pesado)
e de seu derivado ykatyngaí (fede mal). Deu
nome a europeus que só tiravam a roupa, para
asseio, em último caso. No espanhol desde
1889, como "cheiro desagradável de animais
e plantas".
- Crioulo - Nomeava o branco nascido nas
colônias americanas, derivado de "criar"
+ sufixo "oulo" português, para quem a palavra
discriminava o escravo nascido na casa de
seu senhor. O termo foi parar na Espanha como
criollo em 1590.
- Inhame - Na versão Ñame em espanhol,
resultado dos contatos de portugueses e
bantus (nham é onomatopeia do ato de comer).
- Guaraná - Usado na língua inglesa,
mas sem acento.
- Ananás, caju e mandioca (ou manioc) -
Usados no francês.
- Pirarucu, piranha - Observados junto
a franceses e a ingleses.
Jean Lauand
é professor titular da Faculdade de Educação
da USP