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Maio/2014


Onomatopeia

A lição do lepo-lepo

Brincando, brincando, a repetição pode indicar múltiplas realidades

Por Jean Lauand


A lavancado por dancinha comemorativa de Neymar e Daniel Alves, a música Lepo-lepo, da banda baiana Psirico, foi o sucesso do carnaval de 2014 que ainda estronda os ouvidos brasileiros neste meado de ano. No sentido oposto do funk ostentação, que pretende a afirmação por carros, motos, bebidas e outros sonhos de consumo, o protagonista da canção assume que "está na pior": péssima situação financeira, não tem moradia, seu carro foi tomado pelo banco e, precisamente por isso, pode certificar-se das reais intenções da amada: "E se ficar comigo é porque gosta do meu lepo-lepo": ostentação de outras qualidades...

No melhor estilo do humor nordestino, o da malícia subentendida, não se afirma claramente o que é "lepo", nem "lepo-lepo"... E o verbete da Wikipedia até tenta forçar uma margem "família" para a expressão:

"A mais aceita é que a expressão significa performance sexual, apesar de também ser possível interpretar como charme ou carinho".

Bunga-bunga
Naturalmente, para indicar charme não caberia a reduplicação, que imediatamente gerou piadas e paródias, substituindo "lepo-lepo" por "nheco-nheco", do colchão. É como se pretendêssemos interpretar os bunga-bunga de Silvio Berlusconi, como afeto ou carinho. Neste caso, a origem é mais clara: uma antiga piada (que teria sido contada a Berlusconi por Kadafi): um grupo de antropólogos e exploradores na África é aprisionado por uma tribo selvagem e o chefe pergunta se eles preferem a morte ou bunga-bunga (?).

Um primeiro membro da expedição pede bunga-bunga e é brutalmente violentado pelos machos da tribo e, em seguida, queimado vivo. Um segundo, pensando que os nativos tinham se equivocado e entendido "morte", pede também o bunga-bunga e tem o mesmo destino. Então o terceiro pede diretamente a morte e o chefe da tribo diz: "Pediu morte terá morte, mas antes bunga-bunga!".

"Lepo-lepo", como "bunga-bunga" (ou a "conga-conga" da Gretchen), evocam o caráter de descontrole, de pega-pega, de treme-treme, de rala-rala que a repetição em alguns casos indica:

"A manifestação estava pacífica, mas quando chegou na avenida começou o quebra-quebra";

"A reunião ia bem, mas quando chegou o pessoal do sindicato, aí virou oba-oba";

"O dia da mudança foi um lufa-lufa";
"A saída do estádio foi comportada até começar o empurra-empurra";
"Em época de visita do MEC, a secretaria da faculdade é aquele vuco-vuco";
"Tá rolando um zum-zum-zum, um diz-que-diz-que de que vai haver cortes nos salários".

Intensidade
A repetição muitas vezes denota intensidade: o falar demasiado é "blá-blá-blá", "nhem-nhem-nhem", "patati-patatá" ou "lero-lero"; filme de muito tiro é "bangue-bangue"; despedida para valer é "tchau-tchau"; e o cara cheio de si chega chegando e diz "tô que tô" (ou "vamo que vamo"), enfim, ele quer porque quer se impor.

Outras vezes a ênfase está na mera repetição: pisca-pisca, bilu-bilu, chupa-chupa, cri-cri. Que por vezes recolhe onomatopeias como "teco-teco", "reco-reco", "quero-quero", "xique-xique", etc. Ou na alternância, como em "troca-troca" ou "pingue-pongue".

O falar infantil tem tendência a repetir sílabas: nos apelidos carinhosos (Juju, Mimi, Dudu, Fafá, Zezé), no ambiente familiar (vovó, mamãe, titia), em suas atividades, como comer (papá), ou necessidades (pipi, cocô, naná). Já a repetição "assim assim" indica indeterminação: não posso dizer que estou bem (não sou nenhum bam-bambã) nem mal: estou assim assim. Como antigamente era frequente a saudação (de indeterminação): "Ô, Fulano, que bom te rever, vejo que você está cada vez mais cada vez...".

Antecedentes
Nos evangelhos, Jesus emprega a repetição como forma de carinhosa censura, como que chamando a atenção para algo que esperava do interlocutor e está um pouco decepcionado pela sua falta de sensibilidade. Assim, quando Marta se queixa de que sua irmã Maria não a ajuda no trabalho da casa e fica ouvindo o Mestre, Jesus a repreende:

"Marta, Marta, tu te ocupas de muitas coisas, mas só uma é necessária" (Lc 10, 41).

E ante Jerusalém, que não sabe corresponder a seu amor:

"Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes eu quis reunir teus filhos... mas tu não quiseste" (Mt 23, 37).

E a Saulo, que antes de se converter perseguia os cristãos:

"Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9, 4).

Caberiam muitos outros casos, mas detenho-me aqui, pois já são suficientes para mostrar que, brincando brincando, a repetição pode sutilmente indicar diversas realidades. 



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